Quem sou eu?

Danka Maia é Escritora, Professora, mora no Rio de Janeiro e tem mais de vinte e cinco obras. Adora ler, e entende a escrita como a forma que o Destino lhe deu para se expressar. Ama sua família, amigos e animais. “Quando quero fugir escrevo, quando quero ser encontrada oro”.

QUATRO DIAS por Danka Maia (Continuação)









QUATRO DIAS

SEGUNDA PARTE......




Intrigada Sofia o indagou:

_E por que precisava de tal oportunidade? Já se passaram tantos anos.-sussurrou crendo que ele não ouvira.

_Sempre achei que essa conversa por mais dolorosa que fosse tinha que existir.Temos assuntos inacabados Sofia, sabe disto.- Fitando de lado enquanto limpava o suor de seu rosto de traços marcantes e bem feito.

A moça sabia que Guto tinha razão. Mas às vezes o que nos adianta a razão frente à decepção? Nada. Quando a circunstância nos puxa o tapete jogando-nos num abismo de emoções e lágrimas pouca coisa resta, uma delas, palavras.Simplesmente parecem perder toda seiva que muitas vezes nos coloca de pé. O que Sofia queria esconder do rapaz fora a depressão cavalar e crudelíssima que enfrentara calada e que somente Milton notou porque teve que conviver com ela.

_Sofia de novo com esse quarto fechado?- Milton era baixo,branco, cabelos negros,olhar pequeno e  um pouco paciente.Compreendia que aquele casamento fora um acerto bem feito para si e a filha do pastor.Porém se irritava constantemente nos primeiros anos com a convalescência emocional dela e as idas ocultas ao psiquiatra.

_Desculpe.- Respondeu num tão quase inaudível.

_Poxa tem que levantar dessa cama e ir viver! A casa está uma desordem, comida para fazer, roupa para lavar. Daqui teus pais estão ai para o glorioso almoço de domingo e se ver essa bagunça toda vou me explicar como para eles? Anda, levanta logo! Anda, anda!

A moça se erguia num esforço descomunal da cama. Punha primeiro os pés para fora enquanto a  outra parte de si implorava que fenecesse naquele exato segundo e assim terminaria todo aquele calvário.Milton ia abrindo as cortinas com grosseria e mais resmungos,afinal aquele era seu único trabalho, fazer de conta que tudo estava bem.

Sofia naquele dia em particular havia decidido, sem nada avisar, sem combinação nenhuma com o marido porque evidentemente este a calaria até mesmo usando a força como ocorrera algumas vezes,que naquele almço haveria um grande desvendamento.Queria se revelar, pronunciar  toda dura verdade tão bem abrigada,rasgar o peito, expor a alma, abandonar as vestes daquela postura reprimida, abrir as pernas dos pensamentos e conceber frente a todos a si mesmo,mostrar quem ela era e como se sentia para aqueles que se intitulavam sua família.Cansara de ser uma gente cotidiana, de maquiagens mal feitas e retoques ainda piores.Carecia que aquele tipo de fidelidade resignada fosse enfim extirpado de sua vida para todo o sempre.Seu pai era um homem comum, cumpridor metódico de seus deveres religiosos e por ele considerados preciosos.Entendia pouco de prazeres,e ao findar de tantos anos não conseguia mais  dissipar o que eram seus poucos desejos, se tinha sonhos ou se tudo se aglomerava na tediosa linhagem que construíra ao longo de tantos anos de dedicação.

A mãe era mais uma dona de casa comum, vendia cosméticos e roupas para membresia da igreja. Uma mulher submissa, uma mãe distante, um ser que nunca saberemos se realmente existiu.

Esse era o mundo de Sofia.

Ela se arrumou como nunca. Vestiu-se como mandava o figurino, roupa contida, sapatos baixos, pouca maquiagem, cabelos presos e um sorriso falso saudando seus genitores:

_Cada vez mais jovem mãe! Pai, mais forte, não?

Nenhum dos três compreendeu o que havia acontecido com a filha e esposa recatada, aquele tom irônico não era lhe era peculiar, na verdade, não estava no roteiro do clichê de família. Sofia não suportava mais a vida, as pessoas e o sentimento de sempre: Frustração.

Sentou-se apanhando o garfo e apanhando um enorme pedaço do frango comprado na padaria, abocanhou e com a boca cheia disse:

_Tenho depressão profunda, sabiam? Estou tomando cinco medicações ao mesmo tempo e nenhuma resolve o meu problema. Nenhum! Então, o que farão?

_O que deu nela?- indagou o pai ao marido.

_Ela parece estar endemoniada!- soltou a mãe.

_Desculpem meus sogros,Sofia não está não bom dia e...

_PAREM DE FALAR DE MIM COMO SE EU NÃO ESTIVESSE AQUI!

Houve um silêncio estarrecedor.

A moça abandonou a mesa, apanhou a bolsa e saiu sem direção. Era um dia chuvoso, pior somente a tempestade que carregava na alma. Atravessou carros e carros. Uns frearam em cima dela, outros a xingaram,entretanto pouco importava,queria algo que nunca mais soube o gosto.Sofia queria a sensação  do vento no rosto,do querer, do sorrir,do se permitir,algo que só desfrutou enquanto esteve com Guto. A liberdade.

E de novo vem o destino com as suas. Milton saiu no carro atrás dela, sendo sua responsabilidade ou cofrinho, ainda sim era seu encargo. Foi na descida de uma transversal que um motorista de um caminhão acreditou que podia romper o sinal prestes a fechar que a vida dele foi ceifada.

E o peso da culpa inundou a alma já afogada de Sofia.

_Matei meu marido sabia?- confessou remexendo os pés naquela terra árida.

_Do que está falando Sofia?- Guto não compreendeu a declaração da jovem. - Até onde sei Milton morreu num acidente de trânsito e...

_Causado por mim!- gritou com os olhos cheios de lágrimas. - Eu o matei. O condenei, e por mais que tenha sido um parasita não merecia isso de mim.- ajoelhando lentamente e entrando num surto de misto e desespero.Guto abaixou passando a mão em seus cabelos sem saber o que proferir para lhe abrandar a dor tão notória e desumana.

_Sofia... Olha... Ainda está nervosa com tudo isso e...

Num ímpeto se ergueu pondo o dedo no rosto do rapaz ainda no chão:

_E a culpa é sua! A culpa sempre foi sua!

_Minha? Um acidente de carro?

_Sofro de depressão profunda desde faca que me cravou na alma. Jamais deixei de pensar um dia se quer no motivo que o fez fazer tamanha sacanagem dessas comigo! Arruinou a minha vida e foi viver a sua, senhor Doutor em Física Quântica!Você não presta! Não vale o que come!

_Sofia... - Guto por minuto deixou que ela despejasse o vômito da mágoa nele, compreendia merecer.

_ Foi frio, cruel, egoísta! Meu Deus como eu pude devotar a minha toda a alguém assim!Todos os meus sonhos foram com você Guto. Todos!- partindo para cima dele com raiva e o esmurrando apesar de sua pouca estatura em relação à dele.

Guto deixou que disseminasse sobre ele toda sua cólera, enquanto ia rememorando partes da música que tão bem os detalhou naqueles anos de afastamento na inconfundível voz de Elza Soares.

 

ESPUMAS AO VENTO
 

 

"Sei que aí dentro ainda

Mora um pedacinho de mim

Um grande amor não se acaba assim

Feito espumas ao vento

Não é coisa de momento

Raiva passageira

Mania que dá e passa feito brincadeira

O amor deixa marcas que não dá pra apagar

Sei que errei e estou aqui pra te pedir perdão

Cabeça doida, coração na mão,

Desejo pegando fogo

Sem saber direito a hora e o que fazer

Eu não encontro uma palavra só pra te dizer..."

 

Com o tempo a moça cansou, agora só segredava:

_Por quê? Por quê? Por quê?- e foi a primeira vez depois daquele fatídico rompimento que permitiu que os braços dele afagassem seu corpo outra vez. Na medida em que as mãos dele iam descendo por suas costas era como se um ar quente de pleno aconchego viesse a dominando e acalmando os nervos tão a flor da pele. Por outro lado, Guto sentia os cabelos delas outra vez entre seus dedos, seria uma miragem em meio ao deserto? Estaria tudo aquilo realmente acontecendo?

O tempo parou. O tempo sempre para, pois é o maior dos admiradores do amor. A mão direita dele deslizou do meio das costas pelo ombro até chegar a seu queixo e ali relembrar um antigo carinho, esfrega-lo delicadamente antes de beija-la. Sofia se perdia nos seus olhos, porém ao sentir que seus lábios outra vez tocariam, o empurrou com força veemente e rebateu de pronto:

_Jamais!

E Guto viu outra vez seu mundo ruir. Cabisbaixo apanhou as bolsas e se pôs a caminhar rumo a tal Taberna do Vale que Sinval os recomendara.Uma hora e meia de silêncio depois chegaram num vilarejo esquecido pelo próprio Deus.Haviam duas casas. Uma era grande e suntuosa, uma pousada de fato a outra uma pequena tapera, feita de barro brocado, não seria um exagero menciona-la como miserável.

Direcionaram para maior quando a voz de jovem que jazia numa sombra  aproximou-se deles.

_Sofia e Guto?

Os dois se entreolharam, porém calados entre si. Guto o respondeu com a voz seca pela sede e cansaço:

_Sim. Somos nós.

E maior foi à surpresa quando o mesmo saiu da escuridão e um sua aparência os sobressaltaram. Ele arrastava-se pelo chão, parecia uma deficiência que o impedira de erguer-se, muito magro, contudo muito ligeiro e extremamente simpático:

_Que bom tê-los aqui!Sou Jordan.- erguendo com dificuldade a mão para sauda-los. - É uma honra poder revê-los.

A palavra rever arqueou a sobrancelha esquerda da moça e fez o jovem coçar a barba já por fazer.

_Podem me acompanhar.Sinval me instruiu os levarei até minha Taberna.A Taberna do Vale.Serão meus convidados desta vez, adoro isso, a vida dá tantas voltas!

Guto rompeu o silêncio:

_Nos conhecemos de onde Jordan?

O menino esmirado parou e num enigmático sorriso replicou:

_Não lembra Guto? Justamente você? - voltando a caminhar.

Sofia puxou o rapaz pela camisa.

_So que ele está falando? De onde se conhecem?

_Não faço a menor ideia Sofia. Nunca vi o carinha antes.

_Você nunca foi um bom fisionomista. - rebateu em repreensão e tomou a frente da conversa em passos rápidos rente ao jovem.

_Com licença Jordan, mas fiquei meio confusa quando citou nos rever e agora em relação ao Guto.

_È comum que esqueça de mim Sofia.Eu compreendo, ainda mais da maneira que fiquei.- evidenciando a forma de seu corpo.- No entanto,graças aos dois eu ainda vivo e no final verão que isso foi o mais importante,vamos?.- e prosseguiu os passos.

Sofia e Guto criam que a hospedaria seria a grande e bela casa,mas para sua surpresa,mais uma do dos últimos dias não foi.Jordan direcionou-se para o tal casebre caindo em pedaços.

Guto revoltou-se:

_O amigo, pelos céus, não me diga que vamos passar a noite nessa choça desmoronando?

_Guto!- beliscou Sofia seu braço devido menção ríspida.

_Acredite meu amigo, será muito mais confortável do que na Casa dos Segredos.

Lá dentro tudo era rústico e simples. Complexo mesmo, somente o nó que jazia nas mentes de Sofia e Guto.

Quem era Jordan?

 De onde os conhecia?

 Que segredo era este?

Continua...







































PRIMEIRO DIA .....
Sofia chegou a estação de trem ofegante. Ganhar aquela viagem após seis meses do falecimento de Milton parecia um belo refúgio. A Professora de Matemática ficara não apenas viúva mas também desnorteada.O casamento com Milton nunca foi uma excelência, na verdade ele foi um esconderijo depois de uma gigantesca decepção amorosa. A jovem viúva de 26 anos não compreendeu bem ao certo qual razão a levou ganhar a tal passagem com direito a quatro dias pelo Expresso Roma, um dos meios transporte ferroviário mais modernos da atualidade, com paradas por cidades exóticas que sempre desejou conhecer muito antes de casar-se com Milton.

Um senhor muito agradável a recebeu com abastado sorriso e prolongado:

_Bem Vindo Sofia!

A primeira vista, sim, achou estranho o fato de saber seu nome.Porém devido a imensa euforia não dei importância ao fato peculiar.

_Estou nervosa, sei que me atrasei. - disse a moça o cumprimentando.

_Imagine, nunca é tarde para arrumar o relógio da vida.Sou Sinval, serei seu condutor na viagem no Expresso Roma, cuidarei pessoalmente para que tenha uma excelente turnê!

_O senhor é muito simpático. - segurando a mão do anfitrião e sendo por ele conduzida até seu camarote. O abrir da estreita porta a deixou de queixo caído. O ambiente era deslumbrante, um cenário de filme hollywoodiano. Todo rubro, tecido que semelhava camurça, todavia ainda mais apetitivo de tocar e delicado.Os móveis eram retro e ao mesmo tempo com toques futuristas.Foi impossível não sentir-se uma diva.Até aquele instante Sofia tinha convicção de que seria a melhor viagem de sua vida, e apesar do que estava por vir, seria mesmo. Às vezes a vida te confronta de um modo tão terno que quase beira o sadismo, mas na verdade,é só um jeito de lhe  fazer acordar para vivê-la.O detalhe da poltrona voltada para uma janela de vidro que permitia a entrada do Sol como o astro rei que merece: Magistral.

Ela se acomodou fechando os olhos decidida a deixar todo aquele ranço de dor e angústia para atrás, queria redescobrir a liberdade, o gosto pela vida, sentir o ar puro encher os pulmões, precisava, necessitava, carecia disto de modo alarmante, no entanto quando um outro funcionário abriu a porta da cabina e uma voz que conhecia tão bem, porém não escutava há anos fez Sofia quase perder-se inda mais em si, contudo,continuou ali parada fitando o horizonte e os primeiros movimentos do trem partindo da estação.

O homem ajeitou sua mala de bordo num local pouco acima da poltrona onde descansava, achando aquilo quase um assunte, levantou-se e antes que o funcionário fechasse a porta pôs a mão na mesma objetando:

_Senhor, deve haver um grande equívoco aqui!

Com feição abranda, o servidor magro e com riso cativante replicou:

_Que tipo de equívoco senhorita? - mostrando atenção ao assunto posto.

_Creio que o lugar deste senhor que acabou de entrar não seja aqui. Não pode ser. Ganhei esta viagem e...- o moço a deteve.

_Num sorteio. - completando. - Mas o sorteio eram para duas pessoas e a outra foi o cavalheiro ali, portanto, a cabine pertence aos dois senhorita. Boa viagem! - Fechando educadamente a porta e deixando o rosto dela ali perdido e um tanto envergonhada. Sofia volveu a poltrona ignorando completamente a companhia, porém isto só demorou alguns minutos. Aproximadamente dez minutos depois o jovem moreno, de brotos cor de mel, olhar marcante rompeu o inebriante silêncio que os abraçava:

_Quanto tempo mais sem nos falar?








Sofia levou alguns dedos a boca, roer as unhas era tic-tac que ininterruptamente a entregara quando nervosa.

_Como vai? - sussurrou de má vontade.

_Muito bem Sofia e você? - Guto a lançou um olhar desconcertant
e. Aquele olhar que quando recebemos nos deixa fulgente que o tempo não passou.

No fundo uma música rompeu deixando os dois ainda mais apreensivos. Corazón Partió- na voz de Alejandro Sanz que os marcara muito em sua letra:



¿Para qué me curaste cuando estaba herido

si hoy me dejas de nuevo el corazón partío?

¿Quién me va a entregar sus emociones?

¿Quién me va a pedir que nunca le abandone?

¿Quién me tapará esta noche si hace frío?

¿Quién me va a curar el corazón partío?

¿Quién llenará de primaveras este enero

y bajará la luna para que juguemos?

Dime, si tú te vas, dime cariño mío

¿quién me va a curar el corazón partío?




_Quanta ironia! - Guto explodiu num tom sarcástico com um riso que Sofia tão bem conhecia e que sempre a irritou.

_Pois é.- Respondeu entre os dentes.

Remexendo os pés, ele folgou a manga da camisa social azul claro alteando os punhos evidenciando as belas mãos e os braços bem torneados e peludos que a fez lançar o olhar para o outro lado.

_Queria dá-la meus pêsames Sofia. Soube do Milton, sinto muito e...- Enfim a detonação de um vulcão adormecido veio.

_O que? Sinto muito? - A jovem ergue-se outra vez da suntuosa poltrona elevando uma das mão a cabeça e passando pelos longos cabelos castanhos até a cintura, um de seus atributos que Guto adorava nela e agora foi a vez dele atirar o olhar para outro lado, sem contar naquele perfume de jasmim o mesmo que juntos combinaram que calhava tão bem na pele dela, viu que muita coisa simplesmente não tinha mudado como que por anos creu ser o fim.

_Eu sinto muito sim! - revidou o moço desconsertado por medo de não saber ocultar sua excitação ao vê-la ali tão perto outra vez. Nessas horas engasgos no advém, são mistos de insensatez e medos do não ser correspondido. Um eterno jogo de disfarces.

_Isso só pode ser uma piada! - ergueu os braços aos céus como quem cobrava algo do Destino.

_A morte do Milton? - ironizou Guto, sim ele era desse tipo. Após o rompimento de um noivado de 3 anos com Sofia, por uma traição dele com Lana e uma gravidez não planejada, o moço que até então era tão devotado à sua religião quanto ela, filha de pastores, criada para ser esposa de um que no caso era ele, esqueceu de Deus. Abraçou a Física, tonou-se um notório engenheiro, Doutor em Física Quântica com formação internacional. No entanto, o casamento condenado a ruina durou cinco anos somente, é isto graças a presença do pequeno David, o lembrança da traição, como também o fruto da redenção e da luz na vida do pai que o adorava.

_É a sua cara não é Guto? Fazer gracinhas com tudo! - Sofia estava possessa. – Seis bilhões de pessoas no mundo e justamente você veio para dividir essa viagem comigo!

_Coincidências acontecem minha cara. –Guto jazia ali a contemplá-la, sabendo que um colisão seria inevitável.

_Descerei imediatamente! Não fico com você aqui nem mais por um segundo! - decidiu apanhando a bolsa e indo ao botão vermelho de parada de emergência.

_Enlouqueceu?- Ele correu para impedi-la.- Não pode parar o trem por um capricho seu sabia?

_E por que não?- rebateu a altura.- Não quero ficar, não fico! Quem vai me deter? Você Guto?

_O tempo não te ensinou nada Sofia? Há outras pessoas nesse trem que como nós talvez tenham ganhado a viagem, talvez essas pessoas estejam ou se conhecendo ou quem sabe aproveitando para reajustarem seus fantasmas no passado. Quer mesmo destruir isso por um orgulho besta que só existe em você?

A jovem não pensou duas vezes na resposta que guardara por anos.

_Nenhuma delas teve a vida destruída por você Guto!

A mão dele a soltou a dela. O rosto dele transformou-se. A alma dele caiu outra vez no abismo da culpa. A moça percebeu que aquela resposta guardada no oceano que toda mulher carrega dentro de si, tão burilada, engasgada, tão meticulosamente ensaiada, tão elaborada podia e era um desabafo para si mas para o rapaz foi como cravar um punhal no meio do coração. Sofia turbou-se, não soube explicar porque seus olhos marejaram, não soube esclarecer que o alívio momentâneo por ter dito passou tão rápido e algo muito maior como agonia a tomou quando viu uma lágrima solitária romper do canto do olho esquerdo dele. O olho da verdade, como intitulou, porque era sempre dele que vinha a expressão verdadeira de seus sentimentos desde quando eram crianças.

A história de Sofia e Guto era linda demais. O conto de fadas que toda mulher sonha, tudo era meramente assim: Perfeito. Eles cresceram juntos, não faziam nada longe um do outro, até o dia que perceberam que seus destinos eram caminharem lado a lado, a menina de sete e o garoto de dez anos:

Juraram amor eterno.

Viveram esse amor.

Todavia, todo sentimento é posto à prova, mais ou menos dia. Quando Guto caiu nas graças da charmosa Lana, traiu muito mais que julgava. Traiu uma família, uma comunidade, e muito mais que sua noiva que brigava, lutava, crescia com e por ele. Guto traiu o Destino, e como qualquer mortal este não gosta de ser embaçado.

Por isso tudo ali era tão doloroso.

Após o rompimento, Sofia teve que aguentar sozinha toda uma sociedade, toda família que nunca creu muito nele, aponta-la, julgá-la e desmerecê-la.


Somente Milton aceitou a moça rechaçada. Depois de uma boa conversa de seu pai que tinha pressa de casa-los, importava o fato de ser um cara preguiçoso, sem grandes expectativas na vida, em outras palavras: Um bom come dorme. O ideal era que Sofia teria um marido e ele casa e comida de graça.

Foram anos de agulhas cravadas no peito e na alma para a jovem. No fundo, sempre acusou Guto por tudo aquilo, inda que rogasse todos os dias para que Deus retirasse de seu coração a mágoa, o rancor que o moço tão bem semeara, o que Deus pode fazer quando nós não deixamos? De nada adianta pedir sem deixar o caminho acessível, mesmo que sujo pelas mazelas e sofrimentos, precisa estar aberto. E o de Sofia,jamais esteve.

_Que um copo d’agua? - Indagou preocupada com a reação dele direcionando para o recipiente com o líquido de cristal pondo um bocado numa taça do mesmo elemento e trazendo a mão dele.- _Beba, vai sentir-se melhor. Você sempre fica melhor quando...

O olhar dele atravessou o dela. Ambos notaram. Ainda se reconheciam nos mínimos detalhes.

_Quando bebe um gole d’agua. - Sofia fechou a frase. Guto bebericou volvendo a sentar-se. Pôs a taça no descansador ao seu lado, passou as mãos pelos cabelos, braços nos joelhos, Sofia tentou falar:

_Guto, olha...- Mas foi impedida por ele.

_Me perdoe. Preciso muito desse perdão. Em todos esses anos, não houve um único dia, uma única noite, uma merda de minuto que não tenha sido atormentado por esse sentimento!

_Guto...- Sendo de novo atravessada.

_Me escuta merda! Me deixa falar o que está engasgado na minha garganta por cinco anos sete meses vinte e um dias e essa manhã!

E então foi a vez dela compreender que toda história tem e ininterruptamente terá dois lados.

_Não posso negar como jamais neguei que me envolvi com a Lana por tesão.  Também preciso que perceba que jamais por um segundo que estive com ela nunca senti um décimo do que senti...

O verbo no passado trouxe peso ao semblante de Sofia, tão logo Guto finalizou o pensamento.

_E sinto por você. Seu casamento com o babaca do Milton me arrasou. Fui a lona Sofia.

_Prefiro que não se refira a ele dessa forma. - A jovem viúva rogou.

_E por que não? Vai dizer que agora só porque o sujeito morreu prestava? – evidenciando revolta no pedido dela.

_Não tem esse direito Guto. - Alterando a voz. - Respeite a memória dele!

_ E por quê? Só falta confessar que o amava! - erguendo-se e caminhando pela cabine, a discussão do século ganharia a proporção de suas emoções e ódios.

_Pois fique sabendo que amava o meu marido sim! - rebateu firme.

_Você mente muito mal Sofia, sempre mentiu! Faça isso com quem quiser comigo não. Amar aquele traste! Pois sim!

_Meça suas palavras está falando do meu marido! - gritou com veemência.

_Não! Não meço! Não percebe? Não falo dele, falo de nós. Saber que possa ter amado um vagabundo profissional como o Milton é para que? Para me ferir?

_Pois lembre-se que o vagabundo profissional foi o único que restou e aceitou como esposa o lixo que me tornei graças a você e o seu amor fiel e sincero! - pondo o dedo bem no meio do rosto dele que o assombrou porque o fez alcançar o tamanho abissal da ferida que causara nela.

SEGUNDO DIA...

 Logo que o primeiro raio de sol rompeu a cabina Sofia disparou pelos estreitos corredores a procura de Sinval o comandante. Ele terminava um xícara de chá quando a presença vaporosa da moça rompeu a plenitude daquele gosto do capim-limão.

_Bom dia Senhor Sinval! Desculpe adentrar de tal modo, até mesmo deseducado da minha parte, mas quero descer do Expresso Roma na próxima parada! – num tom que permeava entre o imperativo e o angustiante.  Notou, na realidade, podia notar bem mais que a jovem pudesse abranger.

_Senhorita Sofia, não deseja sentar para que possamos termos essa conversa de um modo mais apropriado? - sugeriu puxando a cadeira para ela.

_Não.Obrigada.Não preciso sentar numa cadeira para ter meu pedido atendido. É o meu desejo senhor, ponto!

O condutor sentou-se tranquilo entrelaçou as mãos e contragolpeou:

_ É um desejo sem dúvidas, contudo, um desejo de seu coração? – Investigou arqueando um das supercílios sobressalentes que possuía.

_E o que o senhor sabe sobre os desejos do meu coração? Desculpe, não quero ser indelicada, mas entendo que estou em meu direito em descer na próxima parada. Onde tem um telefone que possa usar? Tentei encontrar meu celular porém não consegui, acho que perdi.

_Senhorita Sofia Gouveia...- suspirou o homem como se pensasse cuidadosamente no que proferir e depois de cálculos, somente respondeu: _ No fim do corredor E, há um telefone. - E levantou-se.

Rapidamente A moça destinou-se ao telefone, uma raridade do tempo em que se discava à espera do retorno do algarismo para discar o próximo. Queria falar com o pai, pedir que a buscasse, contudo, lembrou-se que Sinval não tinha dito a ela qual seria a próxima estação e voltou ao gabinete dele, foi quando cruzou com Guto que a procurava todavia, ficou mudo quando a viu entretanto, ela não.

_Vou descer na próxima estação Guto! Boa viagem! - esbarrando nele que cingiu a fronte sem esconder o quanto ressentido jazia por aquela situação. E foi neste pesar que tudo aconteceu. O trem parou repentinamente. Sofia assustou-se, logo Sinval surgiu com um riso cativante, por trás dela surgiu Guto que também voltava para a cabina.

_Quero pedir minhas sinceras desculpas aos meus convidados especiais, mas por algum infortúnio o Expresso Roma teve que parar e terão que descer aqui.

_Aqui? - Guto estranhou.- _ Estamos no meio de um deserto senhor?

_Sinto muito, infelicidades acontecem até com os mais precavidos. - lançando um olhar para Sofia e concluindo: _De qualquer modo, creio que não será um problema, pelo menos para um de vocês.- referindo-se a moça.

_Como assim? - Guto não compreendeu a colocação feita pela condutor.

_A senhorita Sofia procurou-me agora pouco em meu gabinete para cumprir o seu desejo em descer na próxima estação.

Ela entrelaçou os braços na altura da colo.

_Por que será que isso não me surpreende?- zombou o moço.

_Estou no meu direito!- rebateu em alto e bom som.

_Egoísta!

_Grosso!

Sinval interveio a sessão de elogios com um sonoro:

_Ham,ham!- Logo que teve a atenção de ambos findou: _Poderão descer e ir até a Taberna  do Vale, procurarão por Jordan, um velho amigo, serão bem recebidos.

_Senhor, e os demais passageiros?- indagou Guto.

_Que outros? – Sinval espantou-se com a pergunta.

_Não há outros?- Foi a vez de Sofia espantar-se.

_Não. São só vocês dois.- contrapôs com satisfação.

_Um trem desse porte só para nós dois? - replicou o moço cada vez mais absorvido pela situação.

_Lembrem-se: Ganharam as passagens para essa viagem. Quatro dias a bordo do Expresso Roma. Ninguém falou em outros convidados certo?- discorreu o condutor.- Sugiro que apanhem seus pertences de mão, nos veremos na próxima estação.- dando o seu cartão com um pequeno mapa para chegarem a Taberna do Vale e o tal Jordan.

Minutos depois desciam os dois num calor escaldante em pleno deserto do nada.

_Não acredito que isso está acontecendo comigo!- reclamou Sofia arrastando sua bolsa acompanhada por Guto e sua mala que não deixou por menos:

_Está reclamando do quê? Não queria descer do trem? Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu filha! – era visível a irritação dele.

_Eu não pedi para que viessem comigo.- contragolpeou.

_Não vim com você, só que como a mocinha também fui agraciado com aquela espelunca e tenho direito a ir a tal taberna do Vale também!- E foi então que virão o trem voltar a andar e seguir viagem o que deixou os ânimos a flor da pele.

_NÃO ACREDITO! FILHO DA...- berrou Guto.

_Gente! Ele nos enganou? - Sofia ficou atônita.

_Não, imagina, estava brincando vai parar daqui a três segundos quer ver? Um, dois, três...Ops! Não parou Sofia e a culpa é sua! - berrando enlouquecidamente.

_Ele disse para ambos que o trem deu problema, onde está minha culpa?

_Talvez se sua mente brilhante não tivesse sugerido descer na próxima estação ainda estaríamos naquela geringonça e não aqui no meio do nada com esse calor de rachar o quengo! Mulheres, Ô raça!

_Você é tão melhor Guto! Tão evoluído!- rebateu voltando a caminhar e arrastar a sacola que foi tomada com rispidez pelo moço que tomou a frente da longa caminhada.

O sol era massivo, fulgente quase cruel. Guto apesar de forte estava com a blusa agarrada ao corpo pelo suor em demasia o que consentia deixar seu tórax bem definido amostra ao olhar de Sofia que uma vez em sua retarguada podia contemplar sem pudores e rememorar lembranças de outro tempo.

_Ai está doendo Sofy!

_Pare de reclamar. Está machucado, tenho que cuidar. Onde mais dói?

O moço deitado na cama da casa de praia da família dele apontou com o dedo sobre a mão esquerda:_Aqui.

 Ela beijou.

Depois indicou o cotovelo:_Aqui

Ela beijou.

Depois na testa:_Aqui.

Ela beijou.

E veio o tórax, bem no centro do peito moreno: _Aqui.

Ela beijou docemente e parou ali como se quisesse sentir o cheiro dele, e foi nesse instante que a puxou com o outro braço envolvendo pela cintura e trazendo sua boca para perto da dele beijando com todo amor que dominava sua alma e naquele dia uma barreira foi criada: As almas tornaram-se um só corpo.

A boca encheu d'água, Sofia intuiu que ainda havia desejo. Bastava fechar os olhos para sentir o corpo dele em cima do dela, as confidências, as carícias, os sentimentos tudo ainda jazia ali fervilhando como lava dentro dela, mesmo depois de tantos anos.

Guto descontinuou os passos, pressa e o furor pelo episódio do trem. Virou-se para ela arguindo:

_Você está bem?

_Sim. - Num tom seco, quase sem querer.

Guto procurou uma pedra ao lado da estrada de chão no meio daquela imensidão do nada e expôs:

_Parece que enfim estou no meio do meu eu.- admirando tudo aquilo.

_Vive no meio de um deserto?- devolveu Sofia ajeitando-se ao lado dele, semelhavam enfim desarmar-se.

_Meu corpo não mas,minha alma,essa sim vive numa vastidão idêntica a essa.Sou infeliz sabia? - deixando a moça desconcertada.

_Olha Guto, o certo seria que não tivéssemos jamais vindo a esta bendita viagem. Só que... Não podíamos adivinhar em bilhões de anos que íamos nos deparar outra vez de modo tão inóspito.Não vejo você desde o nosso...

_Rompimento. - completou o rapaz. - Vi você ano retrasado da janela da casa da minha tia na casa de seus pais no dia de natal. Achei que estava lin...- não finalizando o adjetivo.Guto sempre achou Sofia uma bela mulher,mesmo quando tinha sete anos e faltava os três dentes da frente formando uma linda janelinha.Na fase adulta ela fora seu esteio,a morte de sua mãe abalou de vez o moço e quase sua fé,até aquele ponto ela ainda fazia parte da sua vida.Quanto a Sofia, amava tudo nela,a boca, os cabelos, os intensos olhos verdes, o perfume ,até o jeito autoritário.Brincava com um jargão feito por ele:_"Não importo em ser o escravo se ela for a sinhazinha."

_O que faremos?- mudou de assunto Sofia.

_Não se questiona por que justamente nós dois ganhamos essa viagem? logo eu e você?

_Acontece Guto. Meramente acontece. Aconteceu.

_Você  lembra da última coisa que fez antes de chegar a estação?

_Que conversa é essa?

_Lembra ou não?- sendo assente.

_Lembro. Eu vinha Da. do... Ah, não sei. Que importância isso tem agora? Estamos aqui perdidos da Silva!- desabafou.

_Eu lembro. Vinha no metrô e pedi a Deus que me desse uma única chance, inda que última de poder falar contigo,como estamso tentando fazer desde que entrei naquela cabine.

E Sofia começou achar que Guto sabia mais que aparentava.

Continua no próximo sábado...




                     
















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